O CARNAVAL | Das Redes Sociais

|DA IGREJA PARA AS RUAS; DAS RUAS PARA A REDE|

Reza a lenda – na verdade, li isso no livro “Dançando nas Ruas, uma história do êxtase coletivo” – que a Igreja Católica teria, mesmo sem muitas intenções, criado o Carnaval*. Explico: parece que na Europa da Baixa Idade Média as pessoas gostavam de tomar lá suas cachaças, de dançar e de cair em brincadeiras em plena missa oficial.

Óbvio que alguns líderes religiosos não requebravam de felicidade com toda a balbúrdia (para usar um termo da moda) empreendida na congregação. Não é, portanto, de causar admiração que, a partir dos séculos XII e XIII, os disparatados brincantes tenham sido enxotados do sacrossanto lugar. O povo, que perde o amigo mas jamais a festa, resolveu assumir as ruas para executar suas estripulias. A Igreja, claro, precisou arranjar um meio de não perder seus fiéis para os movimentos heréticos da época e, assim, deu um jeito de inserir elementos religiosos na celebração.

No Brasil, as atividades carnavalescas teriam desembarcado no período colonial, junto com os colonizadores portugueses. A princípio, a coisa se manifestou aqui por meio do estrudo – uma brincadeira que consistia tanto em “tirar uma com a cara” do passante quanto em jogar água aromatizada, ou fedorenta mesmo, em todo mundo. Dizem as boas línguas (também apelidadas de Site Brasil Escola) que até a família real brasileira caía nessa folia. Algum tempo depois, o estrudo foi convidado a retirar-se da festa e então vieram as marchinhas, os afoxés, o frevo, os desfiles, …

… a tecnologia da informação e as redes sociais. Sim, porque não é dos blocos que passeiam anualmente por ruas, ladeiras e avenidas que falaremos nesta publicação. Abordaremos aqui uma alegoria mais específica; uma brincadeira que acontece, desde 2016, nas redes sociais; uma corrida literária online chamada “Carnatona”.

“A Carnatona foi idealizada por um grupo de youtubers literários do Nordeste – os booktubers nordestinos. A intenção era de juntar na internet a galera não muito fã de carnaval de rua para fazer uma folia literária virtual”, diz uma das organizadoras do bloco.

A “folia” consiste em uma espécie de game online. Os organizadores atuam em plataformas digitais, como o Instagram, o WhatsApp e o Twitter, promovendo uma série de desafios a serem cumpridos pelos participantes. Os prêmios são livros, enviados pelas editoras e/ou autores independentes, patrocinadores do evento. “Nós passamos seis dias interagindo com o pessoal pelas redes. O bom é que nos divertimos, lemos e ainda promovemos a leitura”, completa a organizadora. O grupo no WhatsApp conta com mais de 40 carnatoneiros, de vários Estados do Brasil. O perfil no Instagram tem, hoje, 210 seguidores.

Mariana Oliveira, uma baiana de 27 anos, graduada em Sistemas de Informação e aluna do curso de jornalismo, diz que viu a patuscada nascer e trocou suas fraldas. “Conheci a Carnatona por meio do Blog para o qual escrevo. Desde então, sempre dei meus pulos para participar dos desafios. Houve um ano em que fui para o Carnaval de Salvador e mesmo assim participei do evento. Já ganhei vários livros e sempre me diverti muito cumprindo desafios e lendo.”

Se Mariana viu o bloco tomar forma, Pedro Cruz, um pernambucano de 25 anos, só ficou sabendo da folia online dois anos depois de iniciada. Cruz não lembra se encontrou a maratona por meio de um Blog ou de um canal no YouTube. O que sabe é que desde que conheceu este jeito peculiar de adiantar leituras, nunca mais deixou de participar da corrida cibernética. “Eu nunca tinha participado de uma maratona literária na minha vida. Adorei. Este é o terceiro ano em que participo da Carnatona. Espero não flopar.”

“Flope”, aliás, é uma expressão comum entre os internautas literários. Significa que eles não cumpriram a leitura conforme o planejado (ou, como costumam dizer, conforme a TBR – To be read – para ser lido). Assim como “TBR”, o vocábulo “flope” deriva de um termo inglês (flop = fracasso) que deve ter chegado ao Brasil no pacote da globalização. Aqui, ele foi devidamente tratado; aportuguesado. Agora é verbo: “eu flopo, tu flopas, ele flopa”. Sinal dos novos tempos.

Por essa a Igreja não esperava.

Notas:
*A autora do livro admite que alguns elementos carnavalescos já existiam séculos antes desse momento.
 

 

Adna Maria é pernambucana, bibliófila e aspirante a escritora. Tem formação em Jornalismo e Geografia.

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