Eu poderia começar esse texto com palavras que mais usamos neste ano. Quarentena, isolamento social, videoconferência, cursos on-line, lives além de tantas outras do nosso cotidiano modificado – para não dizer atrapalhado – por uma crise sanitária, política e (porque não?) moral. Com todas as palavras devidamente dicionarizadas, a pandemia de razões e emoções foi protagonista de um enredo com muitas reviravoltas.
Depois de tantos memes, feeds coloridos e cores pálidas de tie dye, um scroll de sensações explodiu esse ano. De uma vida mais equilibrada à cultura do cancelamento (e da irresponsabilidade), fomos transformados por fora (alô, quilinhos sobrando!) e, mais ainda, por dentro. O mundo digital nos levou muito além da aula de ioga e das receitas de pães e cookies orgânicos.
Ainda me pego contemplando essa paisagem urbana meio sem sentido. Da minha janela, outras se multiplicam com diferentes cenários. Entre a particularidade e a exposição, ainda há mudanças, horários e cardápios impostos por esta nova ordem. Foram tantos micos em lives e calls, tantas receitas perdidas e momentos inesquecíveis que me pergunto: quais são os novos limites do ser humano? Quais significados encontramos no on-line e no off-line?
Foram horas em frente ao computador no ritmo dos que adotaram o home office como novo ecossistema de trabalho. Mais do que nos isolarmos, a quarentena foi uma forma de autoconhecimento para enxergarmos limites de perto. Com paciência ou não, paramos para ler o manual do usuário de nós mesmos.
A exposição no ambiente digital fez história e deixa rastros em uma nova consciência. Ressignificar o ambiente da casa com móveis, pessoas, bichos, objetos e o mais complexo de todos: o ser humano. Tudo pode ser o mesmo e, ainda assim, diferente. Basta observar.
É claro que as estatísticas de desemprego, de quadros clínicos complicados e do surgimento de novas doenças em razão da pandemia ainda participam desse momento, assim como a crise de choro e de ansiedade, a incerteza do amanhã e, mais do que tudo: a fé por dias melhores.
“Eu vejo um novo começo de era, de gente fina, elegante e sincera”, já nos disse Lulu Santos nos anos 90. Talvez essa seja uma das minhas canções favoritas pela letra e pelo ritmo otimistas. Celebrar o fim deste ano talvez não seja uma má ideia por tantos perrengues que passamos. De tudo o que restou, este fim ainda merece um posfácio sobre o que nos causou e que sentidos nos trouxe em meio a tantos momentos que marcaram – com mais ou menos intensidade – a vida de cada um.
Depois de tantos capítulos escritos, rabiscados e apagados, frases incompletas e silêncios barulhentos, o fim de 2021 é o início de uma obra com páginas em branco (super clichê-verdade). Salvando todas as alterações do ano anterior, é preciso arregaçar as mangas, sentar e escrever uma história nova com mais técnica narrativa, experiência e maturidade.
A edição é por nossa conta. Sempre.

Ivan Reis é graduado em Letras, especialista em Literatura e mestre em Linguística Aplicada. Atua como revisor e preparador de texto, mas gosta mesmo é de ler, escrever e tomar sorvete nas horas vagas. E-mail: ivan.reis@hotmail.com